sábado, 5 de abril de 2014

7h38: A Canção do Nada


7h38 – Empoeirado, o relógio marcara o tempo que não passava para ele. Ele, ali, sentado naquela velha e, também, empoeirada cadeira.  

Não havia motivações, não havia vontade. Raios, não havia nada! Nada que despertasse interesse de levantar-se dali. Nada. Nem mesmo a incessante dor que se apossara do seu estômago e que, como sempre, continuava a ignorar     



(...) Silêncio.

7h38 – Observando uma trilha de cascas (de amendoins) e cascos (de cervejas, oras), lembrara que não arrumava o apartamento há uns quatro dias. Quatro dias? Não mesmo, talvez duas semanas – que se foda, pensava; afinal, não recebia ninguém há tanto tempo. Pensando bem, recebia sim: o cara da pizza (que era mais fina que suas canelas; barata, contudo) ou, simplesmente, o ‘cara’.  


Quantos ‘caras’ ele já não havia recebido naquele apartamento?! “Felicidade instantânea, pequeno garoto”, dizia um dos primeiros. “Que merda. Que grande merda”, pensava.

Bem, os anos passaram-se e seus ‘favoritos’ mudaram – assim como os ‘caras’ e, também, ele mesmo. Com seus 30 anos, estava velho, largado e doente. Um cara terrivelmente doente. Assim que sua mãe o chamara quando ameaçou não visitá-lo e, inclusive, não telefonar mais.

7h38 – “Haviam tantas cores naqueles tempos”, refletiu. Agora, no entanto, só havia o cinza das pontas de cigarros largadas sobre a mesa. Ah, havia também o branco do pó tão alvo quanto sua pele que ainda não havia inalado. O espelho estava próximo. 


E o sangue escorria, aos poucos, de seu braço - no osso que um dia fora um braço, melhor. Mais um provável abscesso para estampá-lo. Contudo, naquela reflexão doentia, o sangue cedia mais uma cor. Sua vida era monótona, mas não tão monocromática como pensava.

(...) Dor. O estômago doía, sua alma gritava, o braço sangrava e, agressivamente, vomitava... ora um rubro ainda mais forte que o de ferimento, ora um alvo mais branco que seu braço – e, também, mais forte que os restos dos flocos de neve sobre o espelho.

7h38 – Tinha, de uma vez por todas, largado a cadeira. Rastejando sobre dejetos e lixo, procurava o telefone. Tolice. Não havia pagado a conta. Não havia pagado nada nos últimos meses, na verdade. Ainda engatinhando, o suor escorria no chão e a respiração ofegava – seriam os seus últimos momentos? Ainda lutando, alcançou... o relógio.

Finalmente percebeu que o objeto estava quebrado. “7h38?! Foda-se”, pensou e tentou gritar. Em meio ao devaneio, conseguiu olhar a janela e notou que chovia... e muito. Alegrou-se por pode perceber, por poder sentir algo. Algo que não fosse dor. Ainda olhando a janela, viu homens fardados... e irritados – um deles batia a porta ininterruptamente. De forma doentia, aquilo o alegrava. (...) De repente, o relógio não marcava mais 7h38: o led havia apagado, a luz havia sumido. Ele estava sob o que um dia havia sido e, de mãos abertas, sobre o chão.




Layne Staley: 22/08/67 – 05/04/02

PS: Este texto é um pequeno conto (ou seja, fictício) em homenagem ao vocalista original do Alice in Chains, o icônico Layne Staley. Para o pequeno tributo, boa parte do conteúdo foi baseado em letras, pertencente a fase de Staley, da clássica banda norte-americana de grunge.

Músicas:
Alice in Chains – Angry Chair (Dirt, 1992)
Alice in Chains - Junkhead (Dirt, 1992)
Alice in Chains - Sickman (Dirt, 1992)
Alice in Chains - Nutshell (Jar of Flies, 1993)
Alice in Chains - Nothin' Song (Alice in Chains, 1995)


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