domingo, 30 de março de 2014

Resenha: Caetano Veloso - Transa

Ano de Lançamento: 1972

Após dois anos de exílio em Londres, Caetano Veloso via-se imerso na angústia que as saudades do Brasil provocavam. Exilado, no ano de 1969, em companhia do seu amigo, também músico, Gilberto Gil, o cantor sentia saudades do solo brasileiro. Saudades, sobretudo, da sua triste Bahia.


Intitulado Transa, o disco retrata nada mais nada menos que saudosismo – meio carregado de pessimismo, meio de esperança. Apesar do imenso desejo de retornar a sua terra natal, Caetano sentia-se consumido pelo pensamento de que, possivelmente, não poderia regressar ao Brasil tão cedo devido ao momento político que o país vivia: a ditadura militar. Instaurada em 1964 sob o comando dos militares, a ditadura instalava  a repressão contra toda e qualquer ideia que contestasse o seu regime.

A MPB (Música Popular Brasileira), estilo musical que surgia nesta década, tinha Caetano como um dos seus fundadores. Estilo este que tinha como grande característica, liricamente, a conscientização social e ativismo político - o que irritava os militares do período. Como grande contestador político, Caetano Veloso chegou a ser confundido com um militante de esquerda, ganhando, assim, a inimizade do regime militar brasileiro.


A “transa” aconteceu em Londres, e foi o segundo disco do cantor baiano em terras inglesas. Depois do segundo álbum autointitulado, lançado em 1971, chegou a hora da transação. Antes, contudo, Caetano passava por um momento de melancolia – melancolia essa retratada em sua expressão facial no seu homônimo gravado na Inglaterra. O momento era de desmotivação para o estrangeiro que não sentia vontade de cantar ou gravar discos, mas a estagnação durou pouco.





Em janeiro de 1971, Caetano Veloso obteve autorização para assistir a missa de celebração de 40 anos de casamento dos seus pais no Brasil. De volta à Inglaterra, deparou-se com o reggae, em Portobelo Road e apaixonou-se; a melancolia e a depressão pelo o exílio iam deixando-o, a visita ao seu país natal foi o suficiente para revigorá-lo. Caetano sentia-se pronto para gravar um novo disco, e influenciado pelo reggae dos jamaicanos residentes na Inglaterra, e pelos estilos brasileiros que amava: baião, samba e bossa nova; formulou um disco rico no que se diz respeito à musicalidade.

Transa funcionou como um intermediário entre o Brasil e a Inglaterra, entre a Bahia e Londres. Em Transa, o estrangeiro diz para o inglês “You Don't Know Me”, orgulha-se de ser da Bahia e sauda as regiões do país que tanto ama – dá um “abraçaço” na cultura Brasileira e a interliga com o reggae de Portobelo, e o rock 'n' roll de bandas como The Beatles e The Rolling Stones.

A nomeação do disco se deu em referência a gíria que eclodia no país. "Transa" era sinônimo de relação sexual, mas também era “transa” de transação, era “transa” da rodovia Transamazônica que estava sendo construída no país na sua passagem pelo Brasil.


A primeira faixa do disco,“You Don't Know Me”, contava com a participação de Gal Costa, que foi à Inglaterra de encontro aos amigos exilados. Cantou a primeira estrofe da canção “Saudosismo”, a mais representativa da composição, diga-se de passagem, da autoria de Caetano, e presente no homônimo da cantora de 1969. A música retrata um estrangeiro que não conhece ninguém no país em que agora reside. No começo, Caetano parece dialogar com um inglês, depois de declarar-se solitário, o cantor baiano assume sua brasilidade e canta o orgulho que sente de sua terra.

"Nine Out Of Ten” ilustra as primeiras batidas de reggae escutados fora da Jamaica, em Portobelo Road, na Inglaterra - canção que, segundo o compositor, sente orgulho por ter sido, de fato, a primeira música brasileira a incorporar elementos de reggae. Caetano deixa claro: “I'm alive and vivo, muito vivo, vivo, vivo...”, ouvir a música dos jamaicanos em Portobelo Road dava a Caetano alegria de viver.
"Escultura" criada com diversos encartes do álbum

Triste Bahia” agrega alguns versos do poema homônimo da autoria de Gregorio de Matos, poeta baiano, e nela é adicionada outros versos da autoria do cantor. “Triste Bahia” retrata de forma mais intensa as saudades que sentia da Bahia, nela Caetano frisa a beleza tão peculiar da sua terra natal - outro ponto forte da canção é a forma que ele retrata a cultura africana, algo que, claramente, emociona o exilado.

It's A Long Way” é talvez a canção do disco que apresenta mais momentos diversos ao ouvinte, uma vez que apresenta muitas variações ao decorrer dos seis minutos da faixa. Cheia de referências, tais como “Consolação” de Baden Powell e Vinicius de Morais, “Sôdade, meu bem, sôdade” do paraibano Zé do Norte, a canção “A Lenda do Abaeté”, do baiano Dorival Caymmi, e “Água com Areia” de Jair Amorim e Jacobina. Em “Arrenego de quem diz/Que o nosso amor se acabou/Ele agora está mais firme/Do que quando começou”, Caetano afirma que apesar de distante, o amor por sua terra natal ainda permanece vivo.

Em “Mora Na Filosofia”, regravação de um samba de Monsueto Menezes, o baiano chora. “Mora na filosofia/ Pra quê rimar amor e dor?”, Caetano Veloso transformava um samba carioca em uma balada inglesa de caráter misantrópica. As duas menos emocionalmente impactantes, mas não mais fracas por isso, “Neolithic Man” e “Nostalgia (That's what rock'n'roll is all about)” bebem mais na fonte das influências inglesas de Caetano que nos estilos e ritmos de música brasileira que tanto ama. O experimentalismo em “Neolithic Man” faz com que ela se pareça a música mais confusa e diferente do disco, enquanto que a última é um rock-blues e mostra influências claras de bandas como The Beatles e The Rolling Stones.
Transa, lançado há 41 anos, hoje, alcançou o status de não apenas o-melhor-disco-de-Caetano, mas também o status de um dos melhores (e inovadores, diga-se de passagem) discos da música brasileira. “Transa” representou a transa da Bahia com Londres, do Brasil com a Inglaterra. Contou a história de um exilado conformado, que gosta de Londres, aprecia a sua grama verde, mas que sente saudades do seu baião, do seu tropicalismo, da sua Maria Bethânia, e, sobretudo, da sua Triste e dissemelhante Bahia.



Músicas-chave:
"It's A Long Way" ; "You Don't Know Me" ; " Nine Out of Ten"

Formação:
Caetano Veloso – violão e vocais
Jards Macalé, Tutti Moreno, Moacyr Albuquerque e Áureo de Sousa – arranjos*

*não há informações detalhadas, além disso, de qual instrumento os músicos tocaram no álbum

Tracklist:
  1. "You Don't Know Me" (Caetano Veloso) – 3:49
  2. "Nine Out of Ten" (Caetano Veloso) – 4:57
  3. "Triste Bahia" (Gregório de Matos Guerra, Caetano Veloso) – 9:47
  4. "It's a Long Way" (Caetano Veloso) – 6:07
  5. "Mora na Filosofia" (Monsueto Menezes, Arnaldo Passos) – 6:16
  6. "Neolithic Man" (Caetano Veloso) – 4:55
  7. "Nostalgia (That's What Rock'n Roll Is All About)" (Caetano Veloso) – 1:22

2 comentários:

  1. Excelente pesquisa! Parabéns pelo texto, Marie.
    Quero ver mais textos seus por aqui.
    Abraço

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  2. Parabéns pelo artigo! muitíssimo bom!

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